terça-feira, 12 de agosto de 2014

SP: ZONA LESTE - Pequenas impressões sobre Mosaico de Rancores de Márcia Barbieri

Por Eder Lima.

Entrei em contato com a obra literária de Márcia Barbieri por ocasião do lançamento de seu mais recente trabalho, o inquietante "Mosaico de Rancores" no 21º Sarau da Casa Amarela.  Após passar o olhar pelas primeiras páginas percebi estar diante de um grande texto de arte. Não falo com a presunção de um crítico literário ou de arte, pois não tenho essa qualificação, mas como artista, e enquanto tal, pelo tanto que me foi acrescentado, ao me deparar  frente a um trabalho  que reafirmou em mim uma ideia, qual seja: a possibilidade  da obra de arte colocar-se como acontecimento da verdade. A obra enquanto uma experiência da verdade.

Mas que verdade seria esta?  Sem dúvida alguma, uma verdade jamais absoluta. Uma verdade não metafísica. Uma verdade que não pode se colocar além do nosso encontro ou desencontro com a vida, com o outro e com nós mesmos.

Dessa forma, uma verdade que se desvela nas relações entre obra, arte, artista e público. Portanto, a pequena resenha que faço trata desse encontro entre eu enquanto público, e obra enquanto objeto que se apresenta a mim enquanto algo que necessita ser desvendado. É disso que se trata essa pequena resenha em que teço algumas impressões acerca dessa maravilhosa e dolorida obra.

Poema. O livro de Mosaico de Rancores é um grande poema. Sua escrita conforma uma estética que foge do habitual compondo uma forma-conteúdo que a primeira vista nos parece uníssona em seu conjunto, mas aos poucos se declara polifônica. Um mosaico composto de muitas vozes, que nos faz trafegar por caminhos inusitados, adornados de pausas e silêncios cortantes habitados por uma miríade de personas e máscaras de nos mesmos. Máscaras estas que só podem ser vistas quando encaradas defronte a um espelho quebrado.

De maneira geral, a arte musiva tem como objetivo preencher algum tipo de plano bi-dimensional, tri-dimensional ou arquitetônico. É o que Márcia Barbieri cria milimetricamente ao resgatar os reais sentidos de algumas palavras banalizadas por relações rasteiras. E aos poucos um grande mosaico vai se edificando frente aos nossos olhos. Pedaços colados de sentimentos, ressentimentos, dores de amores, rancores, grafados na pele efêmera da vida.

A cada página, um compêndio de imagens nos arrebatam e nos conduzem à camadas mais profundas do pensamento. Tendo a vida como pano de fundo, atravessamos as areias da racionalidade ate mergulhamos nas profundezas do oceano do ser. Em alguns momentos nos vemos presos ao lodaçal do inconsciente, então percebemos o caldeirão original onde todas as palavras e ingredientes sensíveis, universais e cotidianos se misturaram na composição de um texto onde nem mesmo o silêncio fora desprezado.

Sim, parece haver mais mistérios entre o céu e a terra-mundo advindos do nada, esse lugar de experiências singulares onde o novo é trazido à existência. Deve ter doído muito na alma o trajeto empreendido por Márcia Barbieri nessa caminhada-mergulho para dentro e para fora de si. Defronte a esse mosaico de rancores, cuidadosamente construído nos apercebemos o quão cortantes podem ser as palavras quando carregadas de verdade existencial e poesia.

A nós, leitores, cabe nos lançarmos às veias abertas, às entranhas rubras de sangue e clareiras ressecadas da vida. Rumo aos lodaçais fecundos de onde brotam as sementes-palavras que trazem em si a cada som, ruído, cheiro, novas possibilidades de auto-enfrentamento que se desvelarão, se descortinarão e bucolicamente nos conduzirão em direção ao labirinto.

Eder Lima: Músico (compositor, violonista e saxofonista) e Artista Plástico. Arte educador formado em Arte pela Unimesp e Pós-graduado em Estética e filosofia da Arte pela UNESP. Atualmente colabora com A Casa Amarela Espaço Cultural de São Miguel Paulista.

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