segunda-feira, 11 de agosto de 2014

BRINCANDO COM A LÍNGUA - O amigo pode acabar levando a culpa indevidamente...

Por Therezinha Hernandes.

O ano de 2014, no Brasil, tem sido marcado por perdas no mundo das artes. Ficamos tristes, pois gostamos dos artistas, apreciamos seu trabalho, sua obra nos toca de alguma maneira.

Porém, algumas dessas notícias nos deixam confusos. A mais recente é esta, encontrada num sítio da internet:

“O humorista Fausto Fanti, que fez o Renato da dupla Hermes e Renato  na MTV, foi encontrado morto em seu apartamento na cidade de São Paulo nesta quarta-feira, 30. De acordo com o jornal SBT Brasil, o corpo do rapaz teria sido encontrado no banheiro e com um cinto enrolado no pescoço pelo amigo Adriano Silva.” 

Afora ser lamentável a partida de alguém tão jovem, resta ainda uma dúvida: o corpo foi encontrado pelo amigo Adriano Silva, ou o cinto foi enrolado no pescoço pelo amigo?

Não estamos nem de longe insinuando uma situação inexistente. A redação do texto é que dá margem a essa ambiguidade.

Algo que afirmamos sempre é que, na fala, a mensagem vem acompanhada de gestos, expressões corporais, diferentes entonações de voz e outros elementos visuais e sonoros que auxiliam a sua compreensão com clareza. Já na escrita a coisa é diferente, e por isso precisamos estar atentos ao modo como redigimos nossos textos.

No exemplo dado, a mensagem ficaria mais coerente assim: “(..), o corpo do rapaz, encontrado pelo amigo Adriano Silva no banheiro, estava com um cinto enrolado no pescoço”.

A pressa de dar um furo de reportagem acaba atrapalhando o redator. Antigamente, quando se usavam máquinas de escrever, a correção era mais difícil e demorada. Hoje em dia, os programas de computador facilitam e agilizam sobremaneira essa tarefa, o que nos permite prestar mais atenção ao que escrevemos.

Vejamos outro exemplo antes de irmos ao ponto que mais nos interessa:

“O cachorro enterrou os ossos que encontrou no jardim.”

À primeira vista, parece que o período nada apresenta de estranho. Mas uma leitura mais acurada revela a dúvida: o cachorro encontrou os ossos no jardim e os enterrou no mesmo lugar, ou ele os encontrou em outro lugar e os trouxe para enterrar no jardim?

Numa conversa, bastaria formular essas questões para o nosso interlocutor, e ele mesmo nos explicaria. Mas, num texto escrito, não há essa possibilidade, e por isso devemos ser absolutamente claros ao expor nossos pensamentos.

Uma das situações em que isso se mostra mais necessário são as notícias de jornal. Para os estudantes, são as respostas de questões dissertativas e as provas de redação no vestibular. Então, vamos às soluções.

Na primeira hipótese – o cachorro encontrou os ossos no jardim -, o texto ficaria mais claro desta maneira: “O cachorro encontrou os ossos no jardim e ali mesmo os enterrou.”

Na segunda hipótese – o cachorro enterrou os ossos no jardim, mas os encontrou em outro lugar -, a solução seria dizer: “O cachorro enterrou no jardim os ossos que encontrou”, ou, se possível, referir onde foram encontrados os ossos: “O cachorro enterrou no jardim os ossos que encontrou no porão”.

Imaginemos uma notícia sobre a doença da “vaca louca”:

“Vacas que recebem carne na ração frequentemente ficam doentes.”

As vacas em questão recebem ração com carne frequentemente, ou ficam doentes frequentemente?

Para esclarecer o texto, basta trocar de lugar o advérbio:

1) “Vacas que frequentemente recebem carne na ração ficam doentes.”

OU

2) “Vacas que recebem carne na ração ficam doentes frequentemente.”

Mais um exemplo:

“Enterrado no quintal, meu cachorro tentava recuperar o osso.”

Quem estava enterrado no quintal? Meu cachorro, ou o osso?

Desfazendo a ambiguidade mórbida:

“Meu cachorro tentava recuperar o osso que estava enterrado no quintal.” – Bem melhor, não? Caso contrário, eu teria muito a explicar aos protetores de animais...

Daqui para a frente, visando a explicar como dar maior clareza, coesão e coerência aos textos escritos, vamos iniciar um estudo sistemático da gramática, não como um balaio de gatos cheio de regras, mas como demonstração da lógica da língua.
Afinal, antigamente a análise sintática era chamada de análise lógica – e não era sem motivos.

Abraços e até a próxima.

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