quarta-feira, 23 de abril de 2014

CORDEL NA REDE - Shakespeare: um mote para o cordel

Marco Haurélio: "Apareço retratado ao lado do grande bardo,
 em ilustração desse menino malino chamado Jo Oliveira."

Por Marco Haurélio.


Da monumental obra de William Shakespeare, a produção para o teatro é a vertente com que de imediato nos identificamos. São 38 peças, incluindo tragédias, comédias e dramas históricos, e 150 sonetos. O poder de influência do grande bardo inglês, nascido no dia 23 de abril de 1564, ou seja, há 450 anos, em Stratford-upon-Avon, é avassalador e de sua obra há tantos derivados — para o cinema, teatro, quadrinhos, artes plásticas e a própria literatura — que seria impossível um levantamento, mesmo que inexato.

Ilustração de Klévisson Viana para A Megera Domada, de Marco Haurélio.

Shakespeare foi um autor eminentemente popular em seu tempo, agradando, com suas peças, todos os estratos sociais. A aura de mito que ganhou ao longo do tempo fez com que, a partir do século XVII, sua existência fosse posta em dúvida. Especulações a respeito do verdadeiro autor das obras “de Shakespeare” apontavam o filósofo Francis Bacon e o dramaturgo Christopher Marlowe. Outra teoria aponta na direção de Edward de Vere, conde de Oxford, que teria abdicado da imortalidade literária para escapar às maquinações palacianas durante o glorioso e ao mesmo tempo tumultuado reinado de Elisabeth I. Há até um filme de 2011, a produção germano-estadunidense Anomymous, dirigida por Roland Emerich, que embarca na hipótese.

Teorias — conspiratórias ou não — à parte, o fato é que a obra monumental assinada por William Shakespeare mudou para sempre a face do teatro ocidental, até então dependente do modelo clássico ou do medieval, centrado na visão católica. O diálogo que sua obra estabelece com o que hoje chamamos de cultura popular, ao ampliar temas pescados na tradição oral de países como Itália (Romeu e Julieta), Dinamarca (Hamlet), Escócia (MacBeth) ou da proto-Inglaterra (Rei Lear), iluminou a literatura, e não só a da Inglaterra, fornecendo um modelo duradouro.

Daí talvez derive o carinho com que os poetas de cordel do Brasil, que talvez sejam, na atualidade, os maiores merecedores do título de bardos, tratam a obra de Shakespeare. Desde a década de 1930, quando provavelmente João Martins de Athayde redigiu uma versão rimada de Romeu e Julieta, até os dias atuais, muitas são as adaptações da obra shakespeariana para o cordel. A coleção Clássicos em Cordel, grande sucesso da editora Nova Alexandria, com a publicação de Hamlet, de Rafael de Oliveira, traz três releituras da obra shakespeariana. As outras duas são A megera domada, de minha autoria, e Romeu e Julieta, de Sebastião Marinho. Para compor A megera domada, por exemplo, fui relativamente fiel ao original inglês, mas acrescentei elementos típicos das disputas poéticas entre cantadores nordestinos (as pelejas), incluindo o linguajar, no diálogo dos protagonistas Catarina e Petrúquio. Exemplo:

— Vou fazê-lo se agitar,
Cão sarnento condenado!
Vejo ali um tamborete,
Um móvel apropriado
Para arrebentar-lhe o quengo
E assim mantê-lo agitado.

— Tamborete? — disse o moço.
Ah! Sim! Venha se assentar
Depressinha no meu colo!
Disse ela: — Vai se danar!
Os burros também são feitos
Para os outros carregar!

Nota: O autor deste texto acredita piamente que Shakespeare existiu e até reza por sua alma.

Há 450 anos, nascia William Shakespeare. De sua pena saíram quase 40 peças, mais de 150 sonetos, dois poemas narrativos. Seu aniversário será celebrado pelos quatro cantos da Terra. Por aqui, a agenda do ano Shakespeare começou com a presença da Royal Shakespeare Company no Festival de Curitiba e a exibição de A violação de Lucrécia, espetáculo apresentado também em São Paulo. Publicações sobre o assunto ganham as livrarias. Entre elas está Romance com pessoas – A imaginação em Machado de Assis, do pernambucano José Luiz Passos. O título, originalmente publicado em 2007, ganhou edição revista e ampliada (Editora Objetiva) e assinala a importância de Shakespeare na literatura machadiana. Planejado para chegar às estantes em agosto, Todas as peças de Shakespeare - O essencial para conhecer e amar a obra do maior dramaturgo de todos os tempos (Edições de Janeiro), da crítica de teatro Barbara Heliodora, referência na matéria no Brasil, convida o leitor a tomar um primeiro contato com a criação shakespeariana.


Marco Haurélio

Baiano de Riacho de Santana, Marco Haurélio é poeta popular, editor e folclorista. Em cordel, tem vários títulos editados, dentre os quais: Presepadas de Chicó e Astúcias de João GriloHistória da Moura Torta e Os Três Conselhos Sagrados (Luzeiro). É autor, também, dos livros infantis A Lenda do Saci-Pererê e Traquinagens de João Grilo (Paulus); O Príncipe que Via defeito em Tudo (Acatu). Escreveu ainda Lendas do Folclore Capixaba (Nova Alexandria),As Babuchas de Abu Kasem (Conhecimento), A Megera Domada (recriado em cordel a partir do original de William Shakespeare) e O Conde de Monte Cristo(versão poética do romance de Alexandre Dumas), os dois últimos para a coleção Clássicos em Cordel, da Nova Alexandria, onde atuou como editor. Escreve toda quinta-feira para o blog da editora Nova Alexandria a coluna Cordel na rede.

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